
Neste último final de semana, o Facebook trouxe-me uma lembrança, que há muito não vinha à tona: uma façanha realizada há exatos dez anos. Teria sido a lua cheia humanitária em Aquário ou Júpiter retrogradando neste signo? É bem possível. Como não sou de ignorar os astros, resolvi escrever.
É que, em julho de 2011, eu estava na Bélgica, concluindo um treinamento para tutoras de menores refugiadas africanas, meninas mães, acolhidas pela instituição federal Les Amis de Kirikou, em Rixensart. Parece “surreal”, não? No entanto, é a mais pura verdade. Possivelmente, um período de trabalho dos mais intensos em toda a minha vida. Implantar um projeto social no exterior é praticamente impossível, quanto mais sendo não residente. Mesmo assim, tentamos. Leia mais sobre o projeto aqui:
Flower Remedies for refugee minors – a seed of hope is launched in Europe / Remédios Florais para menores refugiadas – uma semente de esperança é lançada na Europa
Aos poucos, Géraldine Langlois, a colega que possibilitaria esta iniciativa e eu, fomos vencendo as barreiras, preparando toda a papelada, reuniões, apoio, apresentações diversas, questionários para anamnese inicial e acompanhamento terapêutico, etc… Em menos de dois meses, estando na Inglaterra, fui à Bélgica três vezes: as duas primeiras para as “negociações” e a última, para conduzir o treinamento e implantar o serviço, antes de voltar para o Brasil. Géraldine seria a ponte entre mim e as tutoras das “menos” enquanto eu estivesse no Brasil.
O Projeto Kirikou, como viria a ser chamado, foi um projeto audacioso. Mobilizou muita gente: na Inglaterra, na própria Bélgica, na Suiça e no Brasil. Era uma oportunidade única para honrar o legado do Dr Bach. Imaginem o que seria introduzir um projeto social com os Florais de Bach num centro de refugiados, na Europa, tendo o Dr. Bach atuado como médico, junto aos soldados da primeira grande guerra?

No entanto, nossa meta era capacitar a equipe de educadoras/tutoras destas meninas mães para conduzir dinâmicas de ensino sobre os Florais de Bach, numa proposta de educação social e emocional. Também teríamos que ensiná-las a preparar os frascos de florais e administrá-los às menores e seus bebês. As fórmulas florais seriam desenvolvidas por mim a partir de anamnese, sobre as menores, com suas tutoras.
Depois de muita negociação com a instituição e com órgãos do governo Belga, responsáveis pela população de refugiados, o treinamento, foi realizado na penúltima semana de julho antes do período de férias das tutoras. O que seria realizado em horário parcial ao longo de uma semana, terminou condensado em três dias integrais – além daqueles que eu e Géraldine ainda levaríamos trabalhando em casa para desenvolver e preparar as fórmulas concentradas para as menores, bem como as fichas de acompanhamento do processo terapêutico das menores.

Foi um trabalho intenso! O treinamento seria conduzido em inglês, com tradução consecutiva para o francês, por Géraldine. Inglês não era/é a língua nativa de nenhuma de nós (porém, era o nosso idioma em comum!) e o meu francês era/é de quando eu tinha uns 12 para 13 anos!! A sorte foi que, dentre as tutoras, havia uma portuguesa que, por vezes, ajudou-me a encontrar a melhor tradução de um termo para o francês.

Antecipando esta dificuldade que teríamos com relação ao idioma, fui em busca dos livros do Dr. Bach em francês para preparar todo o treinamento, de modo a ser o mais fiel possível a sua filosofia e à indicação de cada essência floral. Para tal, contei com a ajuda da amiga, Ana Cristina Zeidan, na Suiça.



Esta iniciativa teve apoio do Twelve Healers Trust, curadoria vinculada à Healingherbs, Julian Barnard, no Reino Unido, que generosamente, enviou para a instituição todo material de que precisaríamos – essências florais, frascos, conhaque, etiquetas, livros, cartões florais para as dinâmicas, tudo… Lembro-me de que eles preferiram enviar os vídeos do Julian direto para meu endereço em Reading. E quem disse que eles chegavam? Às vésperas, da minha viagem, minha amiga Vicky e eu fomos de casa em casa na rua, para ver se alguém os tinha recebido. Ao anoitecer, um vizinho bateu à porta para entregar o pacote. O correio havia deixado em sua casa, por engano. Foi muito suspense!
Por outro lado, Luciana Chammas nos ajudou com uma autorização, em francês, para veiculação de imagens e resultados.
Géraldine e eu chegávamos exaustas em casa. No entanto, o mais difícil para mim era passar por tantos refugiados, às vezes, famílias inteiras abrigadas, até chegar na ala do prédio destinada as menores. Eu nunca havia entrado numa instituição para refugiados. Tudo ali era muito forte e triste. As menores viviam em completo estado de choque – olhar perdido, ausentes … O sofrimento daquelas pessoas e das menores era o que me mobilizava a ajudar.

No entanto, todo nosso empenho, tudo que deixamos pronto para que as tutoras pudessem dar início ao trabalho, propriamente dito com as menores, foi por água abaixo. Mudanças na política, que envolvia os refugiados na Europa, vieram logo em seguida, com consequências drásticas para a associação Les Amis de Kirikou. As menores seriam transferidas para outros locais, algumas tutoras foram direcionadas a outros cargos e/ou instituições …enfim, um redirecionamento total da instituição.

Ficamos sem chão. No ano seguinte, ainda tentei contato com algumas pessoas para ver se conseguíamos retomar a iniciativa. Tudo em vão.
Ao longo destes dez anos, assistimos o crescimento exponencial e acompanhamos o drama dos refugiados na Europa – até hoje, sem uma política humanitária adequada. Por este motivo, lamento não termos visto o projeto Kirikou florescer, mesmo que apenas para uma pequena parcela destes.
Para aquelas meninas mães, os florais, certamente, seriam um instrumento de resgate e esperança para um futuro mais promissor para si próprias e seus bebês. No entanto, dentro de mim há algo que não me deixa perder a fé, mesmo depois de tanto tempo. É que sinto como se nós tivéssemos semeado, em cada pessoa que participou do treinamento, um grão de mostarda. Não sei quando e como, mas tenho esperança de que, um dia, alguém desse time volte a pensar nos florais como instrumentos de alívio e resgate para tanto sofrimento.
Que assim seja!
